Um novo estudo esmiuçou os desafios do Brasil nos próximos 20 anos — e o que pode ser feito para combinar crescimento e redução da pobreza
EXAME/Carolina Riveira
Como reduzir a pobreza no Brasil, fazendo o país voltar a crescer de forma consistente e com diminuição das desigualdades? Um novo estudo do Banco Mundial e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) divulgado nesta semana esmiuçou os desafios do Brasil nos próximos 20 anos e traz propostas e reflexões sobre esse debate, em temas que vão da tributação à assistência social e emprego.
Os pontos estão em uma nota técnica de mais de 90 páginas divulgado pela instituição. O documento inclui dez opções de reformas de médio prazo, propostas “em resposta aos desafios que o país enfrentará nas próximas duas décadas”, de acordo com os organizadores.
O Banco Mundial afirma que o Brasil produziu “avanços significativos” em redução de pobreza, desigualdade e desenvolvimento de capital humano desde a década de 1980, mas que o país ainda precisará avançar para enfrentar o “alto nível de vulnerabilidade e desigualdade”.
As propostas do estudo estão dividas em três frentes (assistência social, trabalho e previdência).
A base da argumentação é que o Brasil terá dificuldade de chegar a esse cenário desejado de crescimento e redução das desigualdades caso um leque de ações não seja tomado. O cenário desafiador que se desenha nas próximas duas décadas, como no âmbito fiscal, envelhecimento da população e novas tecnologias no mercado de trabalho, afetaria “a sustentabilidade do sistema de proteção social que o Brasil adota hoje”, na visão dos autores.
“A perspectiva [das propostas sugeridas] é de que o Brasil chegue a 2040 com uma população mais produtiva e resiliente e menos desigual”, dizem os autores.
“O relatório explica como o Brasil já tem muitos dos instrumentos necessários para enfrentar o futuro com confiança no sistema de proteção social”, disse em nota Matteo Morgandi, especialista sênior em proteção social e emprego do Banco Mundial e um dos organizadores do estudo.
“No entanto, é necessário fazer reformas institucionais, mudar a estrutura de vários programas, fazer investimentos em sistemas e modalidades de implementação e fazer realocações orçamentárias para os programas que mais precisam para o futuro”, completou Morgandi. Veja as propostas abaixo, de acordo com o relatório veja aqui a íntegra do documento.
Assistência social
Consolidar programas de transferência fragmentados para famílias trabalhadoras
Apesar do sucesso de programas de renda mínima como o Bolsa Família, o Brasil ainda tem uma série de outras políticas dispersas para os mais pobres. Além disso, há uma série de políticas sociais em que os resultados para os mais pobres são incertos, como a dedução no Imposto de Renda, que beneficia os mais ricos que têm gastos com saúde e educação privadas. O relatório sugere a unificação de vários desses atuais benefícios com o Bolsa Família. Haveria, assim, uma “transferência universal para cada criança, combinada com um benefício baseado em condições de renda direcionado às famílias pobres”.
Expandir a inclusão econômica para cobrir áreas rurais
O Brasil poderia, em uma das propostas sugeridas no relatório, expandir programas de inclusão econômica (IE), incluindo os já existentes, para atenderem de forma mais abrangente as populações rurais. Os autores apontam no relatório que o Brasil tem uma tradição de experimentação em políticas de IE na esfera rural que “produziram resultados positivos”, mas em que a maioria dos programas “sucumbiu sob o ajuste fiscal”. Para uma nova etapa, seria preciso encontrar maneiras de garantir a sustentabilidade fiscal dos programas e melhorar a eficiência dos recursos, como com o uso de dados já existentes no Cadastro Único e assistência social e aprimoramento desse mecanismo.
Desenvolver uma estratégia adaptativa e de rápida resposta para lidar com as mudanças climáticas
Os estudos já mostram o efeito perverso das mudanças climáticas nas famílias mais pobres, e o Brasil não é exceção – como os episódios recentes com as chuvas no litoral têm mostrado. Embora o país tenha uma política social robusta, ela carece de adaptabilidade para responder a esse tipo de demanda. Frentes como o Cadastro Único podem auxiliar o governo a desenvolver a chamada proteção social adaptativa (PSA), identificando de forma rápida as populações em risco e medidas necessárias antes e depois de tragédias. O aprendizado do Auxílio Emergencial, em que o recurso precisou ser oferecido em tempo recorde diante da pandemia, pode ser levado em consideração.
“Assim, é recomendável o desenvolvimento de uma estratégia integrada de PSA com compromisso fiscal que possa conceber uma forma de reagir aos choques climáticos mais recorrentes e disruptivos do país (como o excesso de chuvas e secas) de forma mais rápida e forte do que atualmente”, diz o relatório.
Fortalecimento da rede e dos serviços dos CRAS
Apesar do avanço da digitalização, importante também para os serviços sociais, os Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e atuação de profissionais especializados seguirão sendo importantes para levar as políticas públicas desenhadas a todos os cantos do Brasil. Um exemplo é a busca-ativa, que “permite encontrar famílias extremamente pobres onde quer que estejam localizadas”, diz o relatório. Por isso, as funções do Cras, na visão dos autores, devem ser ampliadas e aprimoradas, fazendo da unidade um “ponto de referenciamento e coordenação das políticas de proteção social em cada município”, ajudando ainda mais no processo, por exemplo, de identificar erros cometidos por máquinas nos cadastros e no contato direto com os beneficiários.
Ampliar a cobertura dos serviços de desenvolvimento na primeira infância, adotando novas formas de prestá-los
Os autores apontam que o Brasil precisa avançar em “intervenções de desenvolvimento na primeira infância coordenadas com a assistência social e o sistema de saúde”, com a integração de frentes como o Sistema Único de Saúde (SUS) e Sistema Único de Assistência Social (SUAS). Hoje, a primeira infância é ainda um dos maiores desafios do Brasil: crianças nascidas em lugares diferentes ou em famílias com perfil socioeconômico distinto podem ter acesso a oportunidades tão distintas que, no decorrer do tempo, afetam o desenvolvimento dos jovens e do capital humano brasileiro. Se nada é feito, esse cenário torna mais custoso e mais desafiador para que o Estado cumpra seu papel de oferecer as mesmas oportunidades a todos.
Por isso, um acompanhamento ativo, como em visitas e apoio direto às famílias, é visto como essencial para minimizar as desigualdades existentes na primeira infância.