IstoÉDinheiro / Deutsche welle
Mais de 65 mil pacientes aguardam na fila dos transplantes. Primeiro semestre de 2024 registra queda na disponibilidade de doação. Escândalo como o do Rio de Janeiro abala confiança no sistema.”Minha trajetória é marcada por desafios, superação e, acima de tudo, gratidão ao gesto de amor que salvou minha existência. Vivo com um rim transplantado, e desde então, aproveito cada dia como se fosse o último”, conta Alexandre de Souza Soares, de 50 anos.
O consultor de projetos, natural de Minas Gerais, está entre os milhares de brasileiros que tiveram a chance de recomeçar a vida após receber um transplante. Ele conta que, em alguns momentos, desconfiou se encontraria um doador compatível. Fez oito meses de hemodiálise até, finalmente, ser submetido ao transplante.
Durante o primeiro semestre de 2024, mais de 45% das famílias se negaram a doar órgãos de seus parentes após o falecimento, segundo dados são da Associação Brasileira de Transplante de Órgãos (ABTO). É um dos piores percentuais de recusa já registrado no país. Houve uma queda de 4,9% em relação ao ano passado.
“O principal motivo da rejeição é o desconhecimento e a falta de informação. Sem contar que existe a falta de preparo de alguns profissionais da saúde para fazer esse atendimento humanizado e técnico. Sempre vai existir a recusa. O ideal que a taxa fosse zero, mas trabalhamos com uma meta de 20%”, explica Tadeu Thomé, membro do Departamento de Coordenação em Transplantes da ABTO.
Fila de espera
O rim é órgão com a maior fila de espera, com 40 mil brasileiros na lista. A taxa média de espera é de 18 meses. O fígado é o segundo órgão mais buscado, com 2,3 mil pessoas na fila. Logo em seguida, o coração, com 404 pacientes aguardando. Entre eles, 44 crianças de até dez anos. Somente entre janeiro e junho deste ano, 1,7 mil pessoas morreram no Brasil enquanto esperavam por um transplante.
Os testes foram feitos em um laboratório privado e contratado pela Fundação Saúde, sob a responsabilidade da Secretaria Estadual de Saúde do Rio de Janeiro, para atendimento ao programa de transplantes no estado. Segundo as investigações da Polícia Civil, que vieram a público nos últimos dias, representantes da empresa reduziram o controle de qualidade para ampliar os lucros.
“É um acontecimento péssimo, porque abala a confiança no sistema de saúde e enfraquece nossa reputação, que tanto lutamos para construir. O Brasil é referência mundial no transplante de órgãos e precisamos continuar com a mesma qualidade”, avalia Carlos Henrique Boaskevisque, ex-chefe da cirurgia de tórax da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Referência em transplantes
Apesar da desconfiança por parte da população, o Brasil é referência mundial na área de transplantes. Somente no primeiro semestre de 2024, 4,5 mil órgãos, além de 8,2 mil córneas e 1,5 mil medulas ósseas foram transplantados pelo Sistema Público de Saúde (SUS). Em números absolutos, o país fica atrás apenas dos Estados Unidos.
Boaskevisque cita a importância dos resultados positivos para conscientizar a população sobre o tema. O conhecimento amplia as chances de doação, segundo ele.
“Precisamos difundir a credibilidade do nosso sistema de transplante de órgãos no Brasil, mostrando a quantidade de pessoas que são salvas anualmente com os procedimentos. Fazer muita publicidade sobre o tema”, pontua o médico.
Além de campanhas sobre o tema, ele reforça a necessidade de um treinamento mais aprofundado para médicos e enfermeiros para ampliar a taxa de doação. “Eles representam o primeiro contato com as famílias e devem explicar os processos de forma correta e assertiva. Na maior parte dos casos, os familiares estão dispostos a doar os órgãos do parente. No entanto, ficam apreensivas quando não recebem explicações claras”, finaliza Boaskevisque.