Ex-presidente virou pretexto para que petista capitalizasse discurso
CNN Brasil/Victor Irajá

Na política, por vezes é importante ter um “grande inimigo”. E quanto maior, melhor. Se, na esteira da acirrada eleição contra Jair Bolsonaro, essa estratégia deu para Lula por uma estreita margem, pouco depois o ex-presidente se tornaria inelegível — impactando a premente estratégia do petista de apostar no discurso de “nós contra eles”.
Pouco depois, Lula adotou um novo algoz pouco reativo: o então presidente do BC (Banco Central), Roberto Campos Neto. Se Bolsonaro, cabo eleitoral de importância indiscutível, era carta fora do baralho, do ponto de vista prático, Lula elegeu o presidente do BC como o responsável para que o país não gozasse de um crescimento a níveis chineses.
O presidente do BC não respondia aos anseios oposicionistas como Lula ensejava e manifestava-se corretamente por meio dos canais oficiais do Banco Central.
Desde as atas paralelas do Comitê de Política Monetária da então presidente do PT, a agora ministra Gleisi Hoffmann, aos ataques diretos “àquele cidadão” — alcunha adotada por Lula a Campos Neto —, o então presidente da autoridade monetária era o adversário possível, mas não o ideal.
Economia não é matemática, mas uma ciência social. Mesmo para o mais dos incautos, baseando-se na regra mais básica da percepção econômica e política, a dor e a delícia eleitorais se fazem no bolso. Se a inflação de alimentos e da energia são os vilões que a política monetária busca mitigar, o responsável por ela era o pior dos algozes. Deu no que deu: Lula acertadamente elege o técnico Gabriel Galipolo como presidente do BC e obriga-se a mudar de estratégia.
O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas — possível presidenciável — não dá brechas para a construção narrativa de embate. Enquanto isso, a oposição notadamente da Câmara dos Deputados furta-se a discutir assuntos como aborto ou maconha para fustigar o governo, enquanto o preço do ovo e da picanha ulula nas gôndolas.
Com seu vídeo viral, Nikolas Ferreira, o deputado, pode ser jovem para assumir o posto de anti-herói ao levantar inconsistências sobre uma medida tão protocolar quanto impopular envolvendo a Receita Federal.
E eis que surgem duas balas de prata erráticas, mas nunca ignoráveis: o IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) e Donald Trump.
Se o Congresso Nacional derruba a medida do governo para impulsionar a arrecadação — que desencadeou a fúria justificável dos setores produtivos —, a narrativa do governo teve força. Talvez pela segunda vez durante este Lula 3, o governo tenha conseguido pautar a opinião pública e não agir como um resistor (a primeira, o leitor lembra, foi na desembasada discussão sobre a escala 6 x 1).
Dados e impactos nocivos à economia do país e à classe trabalhadora, assim como sobre as discussões sobre a escala de trabalho, o governo pautou a ágora pública como em raras vezes com a falaciosa argumentação de que o IOF era, praticamente, um imposto sobre os ricos — ignorando o impacto sobre a criação de empregos, inflação e todo o resto que a narrativa política ignora.
Finalmente, enquanto o debate sobre o IOF se acirrava, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, deu a Lula o que ele esperava: um adversário de peso. E com as argumentações ideais para quaisquer pretensões historicamente populistas.
Sim, o Brasil foi vítima de uma agressão politiqueira, desembasada e mentirosa: a taxação de 50% sobre importações brasileiras não encontra respaldo nem mesmo nas próprias argumentações de Trump na carta endereçada a Lula.
O governo americano cita falaciosos “déficits comerciais insustentáveis” para os Estados Unidos — o que dados públicos são capazes de contestar com as de se fazer uma conta de 2 + 2.
O ponto é: o julgamento de Jair Bolsonaro, principal adversário do presidente, é citado na primeira linha da correspondência norte-americana, um deleite para Lula e o governo brasileiro.
Aí mora o diabo: a agressão tributária aconteceu baseada em argumentos falsos, mas, depois de Lula ter dado argumentos de sobra para Trump. Ao defender a “desdolarização” do fluxo de comércio mundial como anfitrião da Cúpula do Brics no Rio de Janeiro, o presidente brasileiro ganha, de lambuja, um inimigo à altura e alguns argumentos para chamar de seus.
Exemplo claro é a chancela de que apostar na narrativa de culpar Bolsonaro pelos efeitos deletérios da decisão de Trump — argumentativamente uma decisão acertada, mesmo que por premissa falciosa.
A pergunta é chave para os argumentos de Trump que pairam no ar: o que mudou sobre o julgamento em semana da cúpula do Brics (ou até mesmo desde que Trump volta à Casa Branca, em janeiro) e pauta quaisquer reações dos Estados Unidos sobre o julgamento do golpe? Nada, em absoluto.
O Executivo, notadamente, não pode e nem deve entrar em discussões que não tangem às atribuições da Presidência da República, mas, sim, do Judiciário — que viram aspectos inegociáveis do ponto de vista tarifário com os Estados Unidos. E Trump sabe disso.
Com Bolsonaro no rol de sua pretensa argumentação principal, Trump dá a Lula o que Campos Neto não deu por razões técnicas: um adversário à altura para suas pretensões eleitorais, o discurso populista e a aura do nacionalismo pedido pela esquerda há tempos.