Por: Ascom

A atual diretoria da Cedae, empossada há cerca de três anos, adotou um modelo de gestão que parece destoar das boas práticas esperadas de uma empresa pública, sobretudo no que diz respeito à observância de princípios básicos de governança e interesse público.
Um exemplo emblemático dessa condução foi a concessão de um expressivo desconto de aproximadamente 22% na tarifa de fornecimento de água à empresa privada Águas do Rio, concessionária responsável por parte do sistema de saneamento do estado do Rio de Janeiro. A justificativa para tal concessão teria sido a existência de supostas inconsistências no processo de privatização conduzido pelo BNDES, processo este do qual a Cedae não foi diretamente responsável. O resultado foi um abatimento mensal estimado em torno de R$ 35 milhões, que, após questionamentos, foi considerado indevido.
Hoje, a Águas do Rio acumula uma dívida da ordem de R$ 850 milhões com a Cedae. Parte dessa dívida foi objeto de um acordo para compensação com obras, em condições que merecem maior transparência e escrutínio por parte da sociedade civil e dos órgãos de controle.
Paralelamente, a Cedae tem promovido uma política de ESG (Environmental, Social and Governance) cuja execução prática levanta dúvidas quanto à sua aderência aos princípios que estruturam essa abordagem. Embora o discurso institucional adote os termos modernos de sustentabilidade e responsabilidade social, algumas ações implementadas parecem estar mais alinhadas a interesses pontuais do que ao fortalecimento de práticas sustentáveis.
Do ponto de vista ambiental, por exemplo, houve a incorporação à área de ESG de programas antigos e consolidados na companhia, como o “Replantando Vida”, um projeto de ressocialização em vigor há mais de duas décadas. Ao invés de inovar ou aprimorar a iniciativa, a atual gestão parece ter optado por rebatizar e centralizar ações já existentes, sem efetivas melhorias estruturais.
Outras ações da política ESG também chamam atenção por sua desconexão com os objetivos institucionais da empresa. Há registros de patrocínios a eventos e organizações que, à primeira vista, não guardam relação direta com as atividades finalísticas da companhia, como festividades públicas, blocos carnavalescos e ONGs cuja atuação foge do escopo do saneamento básico, meio ambiente ou inclusão social associada ao setor.
Não há, até o momento, informações públicas suficientes sobre os critérios adotados para esses patrocínios, tampouco sobre os valores despendidos. O que se sabe é que tais ações envolvem recursos vultosos e merecem maior detalhamento e prestação de contas.
Enquanto isso, a Cedae tem deixado de lado o diálogo com seus trabalhadores. Desde 2024, a empresa não celebra Acordos Coletivos de Trabalho, mesmo diante de lucros significativos — como os mais de R$ 1 bilhão registrados no último exercício. Paradoxalmente, a empresa que celebra parcerias e concessões com o setor privado sem grandes resistências, demonstra rigidez excessiva quando se trata de valorizar e negociar com seus próprios profissionais, que são, em última instância, os principais responsáveis por seus resultados positivos.
Essa dualidade de posturas, flexível com interesses externos e inflexível com seu corpo funcional, revela uma gestão que opera com critérios assimétricos e que pode comprometer a confiança dos trabalhadores, da sociedade e dos entes de controle sobre o futuro da companhia.
Em se tratando de uma empresa pública, cuja atuação impacta diretamente a vida de milhões de cidadãos, é fundamental que a gestão da Cedae esteja alinhada não apenas com os interesses do mercado, mas, sobretudo, com os princípios da transparência, equidade e responsabilidade social. Qualquer desvio desse caminho representa não apenas uma má escolha administrativa, mas um risco real para o interesse público.
Vitor Duque – presidente do sindicato de saneamento – SINTSAMA